(A mudar de porta-chaves e a lembrar-me de uma conversa de hoje)
É solitário saber-se que não se pode confiar plenamente em alguém, mas é uma solidão ainda maior confessá-lo cara-a-cara a alguém.
Fui caindo dentro de mim, ao trocar as chaves de sítio e aterrei nas recordações, dóiem-me as recordações, (há dores maiores, eu sei).
Dei comigo a pensar nas imagens que tenho de nós, de ti. Eras uma torre de três metros com olhos no topo. Saías às sete chegavas às vinte e três. Tínhamos sempre, claro, as tardes de Domingo, das quais maioritariamente dedicavas: à tua família, na qual eu não encaixava (creio que por não ter tamanho suficiente), a lamentares-te do quão difícil era ter uma vida e sustentar-me ou simplesmente dormias no sofá e aquelas três horas e meia eram sagradas, acordar-te era ofender a Santíssima Trindade.
As alternativas eram os passeios, os passeios com a mãe à mercearia. Não íamos ao jardim ora porque chovia ora porque fazia sol, não íamos ao centro comercial porque havia demasiada gente, não íamos à praia porque tu não gostavas, passávamos os Domingos em casa porque os condutores de fim-de-semana são uma praga, a menos, claro que vinte e cinco de Dezembro calhasse a um Domingo, no calendário. (E de todas as vezes que saías tu e a mãe acabavam sempre por discutir, tanto, que cheguei a preferir passar todos os Domingos em casa ou fugir para casa da tia)
Kafka, em Carta ao pai, tinha umas passagens geniais. Tenho em comum com ele a dor e a incapacidade de te enfrentar por não me achar digna. Nunca te desenhei tão bem como enquanto lia aquele livro (caíam lágrimas de par em par, talvez para derrotarem a solidão) as memórias dele eram tão semelhantes às minhas que em certas alturas acreditei seres ele encarnado em ti.
Mas também eu te escrevi cartas, aquela aos doze anos, quatro páginas A4, acho que leste não lendo, foi a única vez que te vi chorar, nunca entendi porquê mas, também, foi só isso que fizeste, isso e dizer-me que troquei há por à.
Mal sabes tu que há uns tempos daria todos os meus sapatos por momentos melhores contigo, agora já não o faria, gastei as solas a combater-te e evitar-te.
Com dez anos eras, para mim, uma torre de três metros com olhos no topo não havia mesmo ventania que te dobrasse, actualmente, tens menos de cem centímetros, os olhos descaíram e estás mais torto que a torre Pizza. Pois é pai, afinal as aragens existem.
Acabei de te trocar, mais depressa que o porta-chaves.
É solitário saber-se que não se pode confiar plenamente em alguém, mas é uma solidão ainda maior confessá-lo cara-a-cara a alguém.
Fui caindo dentro de mim, ao trocar as chaves de sítio e aterrei nas recordações, dóiem-me as recordações, (há dores maiores, eu sei).
Dei comigo a pensar nas imagens que tenho de nós, de ti. Eras uma torre de três metros com olhos no topo. Saías às sete chegavas às vinte e três. Tínhamos sempre, claro, as tardes de Domingo, das quais maioritariamente dedicavas: à tua família, na qual eu não encaixava (creio que por não ter tamanho suficiente), a lamentares-te do quão difícil era ter uma vida e sustentar-me ou simplesmente dormias no sofá e aquelas três horas e meia eram sagradas, acordar-te era ofender a Santíssima Trindade.
As alternativas eram os passeios, os passeios com a mãe à mercearia. Não íamos ao jardim ora porque chovia ora porque fazia sol, não íamos ao centro comercial porque havia demasiada gente, não íamos à praia porque tu não gostavas, passávamos os Domingos em casa porque os condutores de fim-de-semana são uma praga, a menos, claro que vinte e cinco de Dezembro calhasse a um Domingo, no calendário. (E de todas as vezes que saías tu e a mãe acabavam sempre por discutir, tanto, que cheguei a preferir passar todos os Domingos em casa ou fugir para casa da tia)
Kafka, em Carta ao pai, tinha umas passagens geniais. Tenho em comum com ele a dor e a incapacidade de te enfrentar por não me achar digna. Nunca te desenhei tão bem como enquanto lia aquele livro (caíam lágrimas de par em par, talvez para derrotarem a solidão) as memórias dele eram tão semelhantes às minhas que em certas alturas acreditei seres ele encarnado em ti.
Mas também eu te escrevi cartas, aquela aos doze anos, quatro páginas A4, acho que leste não lendo, foi a única vez que te vi chorar, nunca entendi porquê mas, também, foi só isso que fizeste, isso e dizer-me que troquei há por à.
Mal sabes tu que há uns tempos daria todos os meus sapatos por momentos melhores contigo, agora já não o faria, gastei as solas a combater-te e evitar-te.
Com dez anos eras, para mim, uma torre de três metros com olhos no topo não havia mesmo ventania que te dobrasse, actualmente, tens menos de cem centímetros, os olhos descaíram e estás mais torto que a torre Pizza. Pois é pai, afinal as aragens existem.
Acabei de te trocar, mais depressa que o porta-chaves.
2 Comments:
Porque perdemos as canetas . Mas também a nossa correspondência .
Almoço ?? Quando ?? Onde ??
Fico ansiosamente a espera de notícias tuas =)
beijinho grande *
Mas são sempre trocas pintadas de negro e tu és de muitas cores. -)
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