quarta-feira, março 21, 2007

Perdi as canetas



Existem seres que estão acima das pessoas, que vivem num outro mundo. Não se distinguem dos demais se os virmos com um olhar desatento, contudo, se prestarmos atenção compreendemos que eles não se deslocam como e entre nós, já que conhecem outras artes e engenhos que os levam a seguir por outros caminhos, construindo a sua própria realidade, e aqueles que conseguem alcançá-la, afastam-se deste mundo terreno onde habitam. Já Baudelaire dizia: “O poeta é como o príncipe das nuvens. As suas asas de gigante não o deixam caminhar”. É, por vezes, o desalento, o cansaço e a dor de falharem, a solidão da incompreensão dos outros que lhes proporciona tal tamanho atribuído às asas que o coroam príncipe e lhe incapacitam as pernas humanas.

As artes e os engenhos que alguns dominam são fundamentais para a criação de novos mundos. Mundos próprios. Para que todos lhe tenham acesso é fundamental arranjar um método para o divulgar, tornando-se acessível àqueles que procurem saciar a sua sede de conhecimento. Tal como diria Sartre: “ O desejo exprime-se por uma carícia, tal como o pensamento pela linguagem”.

Para que esta ligação entre terreno e surreal se concretize, não se podem quebrar as regras que lhe estão subjacentes, pois se tal acontecer, não se descortinarão os rumos certos para solucionar o enigma que nos é proposto por aqueles poucos que são capazes de ultrapassar as barreiras que nos prendem a um só mundo. Se de facto esta ligação se concretizar, encontrámos alguém em quem podemos confiar e viver muitas aventuras na conquista de novas sensações e ideias que esse mundo possui, que acabam por nos atrair. Citando Herman Hesse: “ Ler um livro é para o bom leitor conhecer a pessoa e o modo de pensar de alguém que lhe é estranho. É procurar compreendê-lo e, sempre que possível, fazer dele um amigo”.

Estas transições de um mundo terreno para o mundo dos sonhos, poderá ocorrer de várias maneiras e com várias experiências, dependendo não só da pessoa que cria o mundo sonhado, como da pessoa que entra nele. Diferentes pessoas, terão ou não, opiniões diversas, embora o mundo seja o mesmo. Disse-nos Nietzsche: “ Os leitores extraem dos livros, consoante o seu carácter, a exemplo da abelha ou da aranha que, do suco das flores retiram, uma o mel, a outra o veneno”.

Portanto, os leitores podem alterar o sentido ou as ideias que estão inseridas no texto e fazem parte de um pensamento. Ao mesmo tempo, o autor tem de ter a tal “divindade” para o escrever, de forma que um novo mundo apareça. Muitas vezes isto não é alcançado, ou porque o autor não é dotado de tal talento, ou porque os leitores não chegam à sua ordem de ideias. Assim temos livros que são tudo menos livros. Nada mais que objectos figurativos. “Há livros escritos para evitar espaços vazios na estante” – Drummon de Andrade.

Ler ou escrever é o ultrapassar da própria dor, observá-la ou pura e simplesmente negá-la em mundos paralelos. Não existem limites, nunca ouvi falar de um génio que se tenha cingido a seguir as regras, pelo contrário desafiam-nas e recriam-nas mostrando ao homem terreno planos superiores ou apenas realidades diferentes. Porém, a todos os homens comuns é preciso mostrar a necessidade de que, sim as regras podem ser quebradas contudo nem sempre se deve fazê-lo.



(voltámos a escrever os dois)


4 Comments:

Blogger Aquarius said...

Até o incompêncivel anjo que sem pensar procura apenas algo que o suporte não deixa ser apenas mais uma pessoa num mundo em que qualquer dia acaba de vez, tal como a escrita que as vezes é seu refugiu da realidade, não chega a ser completamente real e no fim de contas não passa apenas de um triste que fingue a pura alegria escondendo a dor nas asas que de passado culpa por estarem assim . . . mas o que se pode fazer?

Deixa-lo a sós e a sufrer será a melhor maneira de entender que o meu mundo encantado acabou.

Ps.: adorei o texto e isto foi a primeira coisa que me saio.

8:46 da manhã  
Blogger João Filipe Ruivo Félix said...

Olá=)! Lamento desiludir-te, mas não sou o anónimo que se prometeu revelar.A verdade é que encontrei o teu blog através do Aquarius, e achei o que tu escreveste bastante bom.
Prefiro , sempre que possível, dar a cara.
Acerca deste texto, gostei bastante da análise que fizeste ao que é ser poeta.
Citand (um pouco que atravancadamente ) Herman Hesses (Steppenwolf):
"O Ser Humano, embora tendo um corpo único, é composto de ,não dois, mas sim milhões Almas.
Os génios e artistas são o que os pressentem , normalmente dividindo a Alma naquilo a que eles, na sua percepção preconceituosa, chamam o Lobo( leque de impulsos, emoções, sentimentos e pensamentos "bestiais e animais") e o Homem( leque de percepções espirituais e metafísicas(como o Amor, os ideais,etc.).
Os Imortais são aqueles que perceberam e aceitarem que o Homem é composto por milhões e de Almas, e absolutamente todos os sentimentos e pensamentos estão contidos num Ser Humano."
Isto foi uma noção mais ou menos pessoal do que Hesse escreveu,mas a ideia principal é que possuimos não uma, mas milhões de almas, e os poetas, se não o aceitaram, pelo menos pressentiram-no.
Fernando Pessoa é um exemplo perfeito ou (quase perfeito) disto .Se não percebeu, pelo menos pressentiu este fenómeno.

9:05 da tarde  
Blogger Rain said...

Não desiludes, foi apenas o encadeamento de acontecimentos que me levou a pensá-lo, peço desculpa pelo erro.
Creio que Pessoa sabia, respirava dúvidas, expelia dos poros fragmentações de si(s)
E é tão bom senti-lo, nem que seja um pouquinho, a falta de estabilidade e certezas, esses pressentimentos, permitem-nos voar mais alto, entrar nas entranhas dos outros, não ter chão, casa ou céu de uma só cor e de repende cresce-nos o coração.
Esse senhor também disse palavras muito interessantes, sem dúvida que um ser humano "sozinho" já é um mundo bastante grande contudo apenas o é devido aos mundos que o rodeiam e permitem que ele se faça. Que seria de nós sem os outros?

Cumprimentos, obrigada pelos comentários

11:40 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

De todas as espécies, o ser humano é dotado da palavra. Uma dádiva, sim. Trabalhá-a, sendo ela mesmo, é o desafio mais bonito porque nos preenche, a preenche e nos liberta. Por vezes, até podemos ter uma resma de páginas em branco com as palavras que alguém mais jamais entenderá, porque mais que palavra, somos charadas de conceitos. É esse jogo mental que define o tempo, o momento e, sobretudo, a mensagem. É essa complexidade que nos abre a Alma inserindo milhares e milhares de outras tantas. Sufôco, mas liberdade. Liberdade que não existe em pleno porque essa é a ordem do inexistente, do básico. E mesmo quem é superior a nós encontra somente a felicidade no que é prisão. Acender luzes e abrir janelas mas sempre em salas infinitas de prisão. Não são lágrimas tristes. Frequentemente, lágrimas zangadas de comoção. Conscientemente zangadas de comoção. O inconsciente, (ess)a comoção. -)

8:06 da manhã  

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